segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

REDEMOCRATIZAR O PT, DEMOCRATIZAR O ESTADO E A SOCIEDADE

RESUMO (Clique aqui para fazer download do texto abaixo)

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1. Esta PRÉ-TESE é fruto do trabalho coletivo de militantes de várias regiões e tendências, que acreditam no PT e não aceitam o centralismo autoritário que domina suas estruturas, reforça o personalismo, exclui os filiados e militantes das decisões, e facilita desvios de conduta que contribuíram para a onda de descrédito sobre o patrimônio político e ético do partido.

Fazem parte da construção da TESE e de nossa participação no III Congresso os Fóruns de Debate de Militantes, tanto presenciais como via internet – abertos à participação individual de todos os filiados e de todas as filiadas, onde todos e todas terão vez , voz e voto.

2. A conjuntura nacional está marcada pelo Governo Lula, seu sucesso no primeiro mandato e as expectativas populares diante do segundo mandato (2007-2010). Sua evolução tende a ser favorável para novos avanços na construção e realização de um projeto democrático e popular, ainda que acossado pelas forças da oposição neoliberal e conservadora. Não podemos nos iludir: a oposição neoliberal em 2005 e 2006, ousou questionar a legitimidade do mandato de Lula (aproveitando-se de erros políticos e desvios éticos de dirigentes do PT e de partidos aliados); na campanha eleitoral de 2006 explorou a polarização política e ideológica na sociedade, onde o anti-lulismo deu e ainda pode dar base social (entre setores do empresariado e das classes médias) para novas investidas da oposição.

3. O pólo representado pelos trabalhadores e excluídos foi vitorioso no embate com a direita graças a liderança popular de Lula e a boa avaliação do seu governo; e também pelo temor a capacidade de mobilização da militância de esquerda, partidária e social. Dentro deste pólo o PT foi importante, suportou o embate e cresceu eleitoralmente. Agora para enfrentar os novos embates precisa repactuar com seus filiados e militantes, democratizar suas estruturas e funcionamento, estabelecer uma nova direção colegiada, sem hegemonismo de tendências ou personalidades.

4. Resumindo nós defendemos quatro propostas:
a) Redemocratizar o PT – para superar o centralismo anti-democrático que se apoderou do partido e liberar as forças da sua militância para novas conquistas democráticas no Estado e na Sociedade;
b) Entender o Governo Lula e o Lulismo – para valorizar suas conquistas e ajudar superar suas limitações e o PT possa, resguardada sua autonomia, contribuir para fazer um governo popular e democrático;
c) Reconstruir a ligação estratégica entre o PT e os Movimentos Sindical e Popular – fundamental para forjar uma aliança entre agentes autônomos para fazer avançar o Governo Lula e acumular forças para o período pós-Governo Lula.
d) Definir o Socialismo Petista como Socialismo Democrático e Sustentável - agregando o conceito de sustentabilidade econômica, social, política, ambiental, humana, étnica, espiritual e ética.


Redemocratizar o PT
(Tema III: Concepção de partido e funcionamento)

1. Crise e Oportunidade de Democratizar o PT.

A crise atual do PT é de ordem ideológica, política e partidária. Ideológica porque sua trajetória tanto na Sociedade quanto no Estado, especialmente agora sendo Governo Federal, gerou questionamentos sobre o seu caráter socialista. Política porque tendo sido vitorioso nas eleições para governar o Brasil não comanda o governo e nem tem uma estratégia clara de como enfrentar os desafios de governar e responder aos seus compromissos históricos com os trabalhadores. É partidária porque ao longo destes anos sofreu uma erosão anti-democrática de suas relações e estruturas internas dada a prevalência de tendências (no duplo sentido) centralistas, autoritárias e excludentes dos filiados e militantes (e dos movimentos dos trabalhadores), presentes em todas as tendências mas levada ao paroxismo pelo chamado Campo Majoritário - questionando profundamente o seu caráter democrático.

Crise é perigo e oportunidade. Nós apostamos na oportunidade a partir da mobilização dos filiados e militantes para democratizar o PT. Devemos buscar inspiração em nossa própria história de vida e de luta, da qual fizemos uma síntese do ponto de vista da militância.

2. A História do PT Segundo os Tempos da Militância

Tempo da fundação: “históricos” e militância ativa”. O PT era formado de “lideranças históricas” e uma “militância ativa” que tinham história no movimento sindical, nos movimentos populares, nos movimentos de base das igrejas e na resistência à ditadura militar. O sacrifício (em alguns locais até levantar a bandeira do PT era perigoso) e a mesa (do boteco principalmente) eram partilhados. Foi o tempo de filiação, organização dos núcleos e diretórios; das eleições de 1982; da fundação da CUT (1983); da rejeição ao Colégio Eleitoral e das eleições de 1985. Solidariedade sem discriminação e democracia ampla.

Tempo da consolidação: “capas pretas” e “militância organizada”. A consolidação do PT como força política com base social e base institucional firmou sua identidade: de luta, combativo, militante, democrático, diferente, transformador, ético. O V Encontro Nacional definiu o conceito de partido estratégico; a estratégia de acumulação de forças e o direito de tendência. Externamente: as conquistas eleitorais de 1986 e 1988; a participação independente na Constituinte (1988) e a campanha e quase vitória de Lula em 1989. Militância ativa nos movimentos sindical e popular. Foi o tempo dos “capas pretas”, lideranças que tinham que elaborar, debater, e convencer – que respeitavam a militância, organizada e participante. Solidariedade política, democracia organizada.

Tempo da negação: “contadores” e “garrafinhas”. Crise de crescimento: como lidar com o patrimônio político eleitoral tão grande como a liderança popular de Lula? Para complicar: a generalização da crise do socialismo e o início da onda neoliberal. A derrota de Lula em 1994 e a ofensiva neoliberal sobre os direitos dos trabalhadores (iniciada quando FHC, semelhante a Tchacher, derrotou a greve dos petroleiros) obrigaram o PT a combinar luta parlamentar com luta sindical e popular. Disputa interna acirrada; as tendências partidárias (assimilando as tendências sindicais) radicalizaram o controle de “suas” bases: reduzindo os militantes à condição de levantadores de crachás e os chefes à condição de “contadores de garrafinhas”. Solidariedade seletiva, democracia limitada.

Tempo da transição: “operadores políticos” e “militância subjugada”. Tempo de sucesso do “modo petista de governar” e da nossa atuação parlamentar. Para gerenciar esse grande ativo político surgiram os “operadores políticos” com mandatos eleitorais (ou seus representantes). Primeiro, autonomizaram os mandatos. Segundo, atropelaram os “contadores de garrafinhas” e as lideranças dos movimentos sindical e popular. Terceiro, submeteram o partido à lógica eleitoral e depois à lógica do exercício do poder do Estado. O partido perdeu sua autonomia e a militância foi subjugada. Solidariedade interesseira, democracia formal.

Tempo da crise: lideranças questionadas e militância inquieta. O PT é governo e até hoje não avaliou o Governo Lula e o lulismo. Quando segmentos da mídia, do parlamento, do judiciário, do executivo e do empresariado se unificaram para desmoralizar o PT e derrubar Lula ficou claro o preço do desvio centralista dos “contadores de garrafinhas” e “operadores políticos”: a desmobilização da militância, o distanciamento dos movimentos sindical e popular e o desconhecimento das práticas financeiras aéticas(“dinheiro não contabilizado”) de altos dirigentes. O perigo eminente só foi contido porque temiam a mobilização popular e a militância petista. A militância mostrou que está viva, exige participação, informação e transparência no partido e no poder político.

3. Ascenção e Queda dos “Contadores de Garrafinhas”

No centro da crise do PT está a deterioração da democracia real interna: não informação, falta de transparência, formação e participação de filiados e militantes; consolidação de uma casta de dirigentes; fóruns partidários esvaziados de discussão; regras oportunistas para privilegiar dirigentes e detentores de mandatos. Isto começou lá atrás nos anos 90; sob pretexto de enfrentar a onda neoliberal, se justificou a centralização interna, transformando os militantes em levantadores de crachás e os líderes de tendências em “contadores de garrafinhas”. Precisamos esclarecer essa história porque embora tenham perdido força, é forte a tendência de recidiva.

Esta relação entre “contadores” e “garrafinhas” teve importância estratégica para o PT porque lhe deu uma forte organicidade ao PT (negando a organicidade original dos núcleos e diretórios) e sustentabilidade política para a estratégia de acumulação de forças e para a estratégia eleitoral vitoriosa de 2002 (quando os “contadores de garrafinhas” já estavam em subalternidade aos “operadores políticos” dos mandatos eleitorais do PT). Neste sentido, o Campo Majoritário em escala nacional e a Democracia Socialista – DS, no Rio Grande do Sul mostraram competência. Quando no governo federal mostraram insuficiência política e quando da crise partidária mostraram fraqueza e impotência.

Todo “Contador de garrafinhas” é ou gostaria de ser Zé Todo Poderoso; e todo e toda militante é tido como Zé Ninguém, Maria Ninguém! A experiência de ser transformado em militante inativo ou “garrafinha” não é emocionante, não envolve paixão. Ganhamos, nunca ganhei! Vencemos, nunca venci! Pensamos, nunca pensei! Nossa posição, nunca minha posição! Valores coletivos. Pelo menos tinha ideologia. Já o “contador” variava do êxtase à depressão: Ganhei! Perdi! Por isto ele tinha que manter o “seu” “garrafinha” bem comportado, no lugar certo (para ser visto); na hora certa (da votação) para ser comandado e contado (seu crachá levantado). Se o “garrafinha” votou em posição de outra tendência: traiu, ou foi cooptado. Se falava sem orientação do chefe de tendência ou votou pela própria cabeça ouvia o coro dos “contadores de garrafinhas”: Independente! Anátema! Sem o sentimento de pertença a uma tendência vai perder a identidade petista!

Quando o maior “contador de garrafinhas” virou “operador político” do principal ativo eleitoral do PT . O maior “contador de garrafinhas” do PT surgiu quando a maior tendência desapareceu, aglutinou forças e virou Campo Majoritário e numa manobra audaciosa e bem sucedida se transformou em operadora política dentro do PT dos principais ativos do PT junto à sociedade; tanto dos ativos no movimento social (principalmente sindical, ainda que dividido) como dos ativos eleitorais e do principal deles, a liderança de Lula perante o povo. Lula, até certo ponto, delegou essa operação política, porque não podia prescindir da mediação do PT para com a sociedade e outras forças políticas; e dentro do PT, acreditava ser necessário ter uma maioria estável. Assim o maior “contador de garrafinhas” virou “o maior operador político“ do PT. Fez escola, tanto no “Campo Majoritário” como nas outras tendências; e em cada Estado da Federação (mesmo onde as tendências minoritárias nacionalmente eram regionalmente majoritárias). Este processo foi aceito por todas as tendências, haja vista o Encontro Nacional do PT em Recife (2001) onde “contadores” e “operadores” se uniram para evitar os debates: a militância ficou por fora. Nem sequer lhes permitiram levantar crachás!

Inversão do sentido: do poder do Estado para o poder do Partido. Antigamente o poder do Partido era instrumento para conquistar o poder do Estado e da Sociedade. A tendência era importante para conquistar o poder no Partido. Está tudo igual, com o sentido contrário: primeiro ganhar o Poder do Estado depois ganhar o poder no Partido. Ganhar um mandato eletivo é o caminho mais rápido para submeter a tendência e o partido. Os “contadores” e os “garrafinhas” continuam importantes, para sustentar dentro do PT o que se conquista nas urnas. Quando a luta de classe se acirrou, as oposições aproveitando-se dos erros dos “operadores políticos” (e de alguns “contadores de garrafinhas”) tiraram a vantagem moral do PT e pior que isto: questionaram a legitimidade do nosso governo, utilizando a tática lacerdista que derrubou Getúlio Vargas, em 1954. Nesta hora os “contadores de garrafinhas e os “operadores políticos” revelaram suas fraquezas; e o PT desvelou sua crise. E a militância petista ficou perplexa! É agora Zé Ninguém! É agora Maria Ninguém!

4. A Crise do PT

A crise atual do PT não aconteceu de repente, como já afirmamos. Suas características principais são: a degeneração da democracia interna; o enfraquecimento das suas relações com os movimentos sindical e popular; os questionamentos sobre sua utopia socialista; o desvio de conduta de alguns dirigentes. Sem esgotar o assunto indicamos duas pistas para entendermos e buscarmos saídas: há uma crise do modelo de representação do qual o PT é um exemplo; o exercício do Governo impõe uma reflexão mais profunda da relação entre Governo e Partido, entre Estado, Partido e Sociedade; a alternativa de centralização das decisões imposta ao PT perde toda sua eficiência quando se trata de governo e da sociedade; a ausência de democracia interna e a falta de transparência facilitam atitudes personalistas e desvios de conduta.

O PT que Não Queremos

Há dois modelos de partido que convivem internamente e disputam o controle do PT, aqui identificados de forma simplificada: primeiro, é o PT dos com voto e sem militância; segundo, é o PT dos com militância e sem voto – todos os dois sem democracia real. Esses dois modelos têm suas variantes e combinações e não por acaso se identificam com as principais tendências internas.

O PT dos com votos e sem militância

Tem petistas eleitos para mandatos eletivos pelo PT que defendem abertamente um PT de massa com dirigentes que tenham voto popular (vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, Presidente da República). Os Encontros deveriam ser massivos e festivos – só para homologar as decisões dos dirigentes. Como resolver as disputas entre os dirigentes com votos? Talvez na Comissão Executiva formada por eles mesmos; ou talvez, os mais democráticos pensem em consultar os filiados através de “eleições primárias”, com as alternativas desenhadas de cima para baixo. Descartados os Encontros democráticos, participativos e decisórios, provavelmente não suportarão os Processos Eleitorais Diretos (os PEDs) porque os filiados e a militância podem recuperar sua autonomia como ensaiaram no PED de 2005.

E os filiados? Seriam apenas eleitores internos? E os militantes? Seriam executores das decisões dos vereadores, deputados, senadores, governadores, Presidentes, Ministros, Secretários, etc...aos quais ficariam subalternos, tanto no Partido como no Estado. E a militância sindical e popular?

O PT dos com militância e sem voto

Existem dirigentes que pensam assim: é importante que tenhamos líderes de massa, que tenham voto popular, mas o partido não pode perder o sentido estratégico socialista por isto tem que ser dirigido por quadros bem formados política e ideologicamente, mesmo que não tenham votos, não disputem ou exerçam cargos eletivos ou comissionados no Estado. Precisa ter militância com formação teórica, ideológica e disciplina. As diferenças e decisões devem ser resolvidas pelos Encontros - com delegados eleitos indiretamente. A militância tem que ser organizada em tendência porque a tendência é o seu local de discussão e as instâncias do PT são foros de disputa de posições. E os filiados que não pertencem a nenhuma tendência? Que se organizem! Os Encontros e Congressos são os fóruns máximos, neles não há lugar para disputas e discussões menores, só algumas poucas e selecionadas intervenções qualificadas, que falam por delegação de “suas bases” partidárias. A relação do PT com os movimentos sindical e popular? Deixa para as tendências.

O PT dos bons que só erram por causa das más companhias

O problema do PT são as más companhias, falam por aí. Se o nosso Governo não está bem o problema não está no PT, está nos aliados. Se o dirigente do PT praticou desvio ético foi porque andou com gente má, de outro partido, ou do esquema de outro partido. No fundo, o PT é bom; o que atrapalha é a política de alianças. Isto explicaria desde o centrismo do Governo Lula até os desvios de conduta de dirigentes partidários. Se o PT ficar em boas companhias (alianças só com o bloco de esquerda) resta o problema de ter uma boa direção. E essa nova direção seremos nós, um novo bloco majoritário! E os filiados? E os militantes? Só se forem nucleados, pagando sistematicamente o dízimo, e participando dos Encontros. Quer ter voto, tem que participar! Quer ter vez, tem que ter voto! Quer ter poder no partido tem que se organizar em tendência! Refundar pra quê? Refundar para se espelhar nos que estão refundando a sua própria tendência em um campo que esperam ser majoritário (essa história nós já vimos antes, ou não?)

O PT guarda chuva para lideranças locais e regionais

Alguns petistas com votos e sem votos pensam o PT como um partido guarda chuva onde possam se abrigar: uns para ter legenda para disputar eleições locais e regionais, ou até mesmo para projetos regionais; outros para dar cobertura institucional à “sua” intervenção e conquista do “seu” espaço no movimento social. Esses dois tipos de petistas, especialmente os primeiros, gostariam de ter um PT semelhante ao PMDB. Não elaboram, disputam o poder e não disputam projetos. Seu horizonte utópico é tão nebuloso que muitas vezes se esquecem dele. Para eles os filiados serão sempre bem vindos, já a militância (os filiados engajados partidária e ou socialmente) é um problema (para eles).

6. O PT que Queremos: Socialista, Democrático, de Massa e de Militantes

O PT e o petismo

Ao longo dos últimos 26 anos o PT firmou-se como partido, capaz de disputar o poder político do Estado e a hegemonia na Sociedade, defendendo os interesses dos trabalhadores e um projeto de nação democrático e popular, com perspectivas futuras socialistas. A crise atual questiona este PT, não nega sua história e suas conquistas mas ameaça suas possibilidades futuras se não houver a redemocratização e reconstrução política e ideológica.

O PT, enquanto partido socialista de um novo tipo, democrático, que combina as características de partido de massa e de militantes, acumulou vitórias tanto nos movimentos sindical e popular como na luta institucional, derivando de sua teoria e de sua prática um conceito com o qual disputa a hegemonia no Estado e na Sociedade: o petismo.

O PT é forte; tem base social; tem consistência política; tem estrutura partidária maior e mais organizada que qualquer outro partido brasileiro; tem força de combate; tem bases e tem lideranças. Se assim não fosse teria sucumbido diante da maior ofensiva que as classes e elites dominantes lançaram contra um partido no Brasil, desde 1948, quando colocaram o PC do B (único na época) na ilegalidade, depois de suas vitórias eleitorais de 1946 e crescimento de sua influência política nacional.

Quando a campanha da oposição neoliberal de 2005 e 2006 (liderando uma frente bem ampla de setores das classes e das elites dominantes) mirou o PT como seu alvo principal pareceu para alguns que o PT seria não apenas derrotado, mas destruído. O PT resistiu e sobreviveu, e mais que isto foi vitorioso do ponto de vista eleitoral. Perdeu também um patrimônio longamente acumulado: primeiro, a vantagem ética diferenciada dos demais partidos; segundo, perdeu lideranças partidárias de peso (dois presidentes; um secretário geral; um tesoureiro nacional; um líder de bancada na Câmara; e outros que ficaram desgastados).

Como o PT reagiu?

O Processo Eleitoral Direto (PED) de 2005, confirmado pela Direção Nacional foi o ponto de virada para o enfrentamento da crise. Várias chapas nacionais se apresentaram; centenas de chapas estaduais e milhares municipais, revelando a diversidade política e ideológica do PT e principalmente a potência da cultura petista. Inevitável, o centro do debate foi a crise partidária, especialmente sua dimensão ética. Milhares de filiados e militantes participaram dos debates, e mais de 310.000 filiados acorreram às urnas para votar na chapa de sua preferência e principalmente para testemunhar: o PT está vivo, e seus filiados e sua militância são os motores de sua revitalização.

A maioria dos filiados do PT puniu politicamente os principais responsáveis pela crise quebrando o controle que o Campo Majoritário exercia sobre a direção nacional e mandando um recado para todas as tendências e lideranças partidárias: não aceitamos mais a exclusão política dos filiados e da militância petista, fruto do desvio centralista e anti-democrático; e seus subprodutos: o mandonismo, a prepotência, a falta de transparência, os desvios éticos. Recompôs uma nova direção com maior equilíbrio das forças internas; embora o presidente atual tenha sofrido o rescaldo das práticas políticas inaceitáveis com o episódio da “tentativa de compra do dossiê” – que prejudicou o PT e o Lula.

Além da manifestação da base do partido no PED nós tivemos três outras manifestações que mostraram a força e a vitalidade do PT, apesar dos erros dos dirigentes e da ofensiva da oposição neoliberal: a) o PT saiu vitorioso das eleições de 2006 – revelando que o petismo, mesmo com certo grau de diferenciação do lulismo – tem base social e força eleitoral; b) no segundo turno da eleição presidencial a militância do PT chamou a si a responsabilidade de ir pras ruas, vestir a camisa e agitar as bandeiras – importante para eleição de Lula e recomposição da imagem do PT perante o povo; c) recomposição da postura das bancadas parlamentares no Congresso Nacional, recuperando autonomia na relação com o Palácio do Planalto, bem expressa na posição vencedora da bancada do PT na eleição para Presidência da Câmara; d) a convocação e a realização do III Congresso – em andamento.

Está na hora de redemocratizar o PT.

Redemocratizar o PT pela Base

Redemocratizar o PT quer dizer igualdade de oportunidades e direitos para todos filiados e todas filiadas; fim das práticas antidemocráticas que privilegiam dirigentes e detentores de mandatos, ou seja, favorecem os mais fortes que detêm máquina burocrática do Partido ou do Estado; e reconstruir os mecanismos de consulta aos movimentos sindical e popular, para se beneficiar de suas contribuições.

Vez e voto, em igualdade de condições, para todos os filiados e todas as filiadas. Não é democrático o partido que facilita para alguns e algumas exercerem seus direitos e dificulta (e até impede) que outros e outras (a maioria) exerçam todos os seus direitos. Direitos iguais de participar, de falar, de intervir, de propor, de escrever, de votar, de ser votado, de fiscalizar, de divulgar idéias, de controlar as finanças, de ocupar os espaços partidários. Chega de garantir privilégios aos “contadores de garrafinhas”; aos “operadores políticos de mandatos”; aos detentores de cargos públicos. No PT eles e elas são filiados e militantes como todo e toda e qualquer filiado e filiada. E tem mais: direitos coletivos, de grupos, tendências, não podem e nem devem ser maiores que os direitos individuais de filiados e militantes. Chega de centralismo! Propomos ao II Congresso do PT e redemocratização do PT pela base; a revitalização dos núcleos, diretórios zonais, muncipais e dos setoriais; e eleições gerais, ainda este ano, para renovação das direções.

Revitalizar a relação entre o PT e os Movimentos Sindical e Popular

A principal vertente fundadora do PT foram os militantes dos movimentos sindical e popular que se conscientizaram da “necessidade de se manter organizados à parte”, como declararam pela Carta de Princípios lançada no dia 1º. De Maio de 1979. Por sua vez o PT, já organizado, sempre reconheceu a importância estratégica dos movimentos sindical e popular para a luta social e política imediata e para a transformação futura da sociedade; da necessária interação entre partido e organizações sindicais e populares, respeitando-se sua autonomia política e organizativa; rejeitando-se as experiências históricas advindas dos PCs e PSs que usaram os sindicatos como “correia de transmissão do partido”. A relação entre PT e os movimentos sindical e popular está com dificuldades. Porque, como, o que fazer?

Primeiro. É preciso entender que na atualidade do século XXI os movimentos sindical e popular ganharam novos papéis, maior amplitude e diversidade de atuação, jamais imaginadas nos anos 1980 do século XX quando fundamos o PT. Globalização; TV a cabo; internet; celular, se tornaram meios modernos de informação e práticos para elaboração, difusão da comunicação; multiplicaram-se as possibilidades de luta social, cultural, ideológica e política que deram nova potência aos movimentos sindical e popular (e até mesmo aos cidadãos e cidadãs individualmente!); criaram formas de luta e de expressão de uma nova cidadania. O PT respondeu a essa nova realidade técnica, política e social, insuficientemente. Contudo, sua grande debilidade é política: o distanciamento dos movimentos sindical e popular devido à dedicação quase exclusiva à luta pelo poder político do Estado; ignorando o papel estratégico do poder popular na luta política presente e na transformação social futura.

Segundo. As bases partidárias, os filiados e militantes, perderam poder e protagonismo internamente ao partido em função do controle antidemocrático dos “contadores de garrafinhas”, seguido pela imposição dos detentores de mandatos eletivos no aparelho do Estado. Quem mais perdeu espaço no PT foram os militantes originários dos movimentos sindical e popular, e ganharam espaço os militantes do aparelho do Estado e do Partido.

Terceiro. A atuação dos militantes do PT nos movimentos sindical (especialmente neste) e populares perdeu-se da orientação partidária. Pior ainda, está desfigurada por interesses de tendências, grupos, personalidades, que praticam o aparelhismo nas organizações – em prejuízo das suas características democráticas. O ambiente sindical se tornou desfavorável à participação dos militantes (como acontecera com o ambiente partidário) provocando uma evasão de quadros rumo aos movimentos populares onde micro-organizações não governamentais (de direitos humanos, de gênero, étnicas, sócio-ambientais,etc.) abre-lhes oportunidade de atuação sem o conflito e a sujeição existente no PT e no movimento sindical.

O Governo Lula criou um ambiente favorável para os movimentos sindical e popular (Conferências; Conselhos, Colegiados de gestão de algumas políticas públicas; execução descentralizada de projetos, etc.), que pode ser aprofundado e melhorado. Alguns Setoriais do PT atuaram neste espaço, independente do Governo, mas o partido como um todo se retraiu. Cabe ao PT re-estabelecer sua relação com os movimentos sindical e popular em outro patamar: a) respeitando sua autonomia; b) estabelecendo relações institucionais; c) orientando sua militância para atuar nas lutas, organizações e movimentos sindical e popular, enquanto militantes legítimos das mesmas; d) propondo a redemocratização das organizações dos movimentos sindical e popular; e) orientando-os para pressionarem pela democratização do Governo e do Estado.


Do Lulismo ao Petismo: Decifra-me ou Devoro-te!
(Tema: O Brasil que queremos)

1. Ponto de Virada: eleição de Lula Presidente em 2002

O Governo Lula é o elemento mais importante da atual conjuntura nacional, não apenas por ser governo, mas, principalmente, por ser um governo comandado por um líder político de origem operária, sindicalista, fundador e dirigente do principal partido de esquerda do Brasil: o PT.

A vitória de Lula em 2002 é o ponto de virada de uma longa história que se inicia na última fase de luta contra a ditadura militar (final da década de 1970 e início da década de 1980) quando o movimento sindical, com greves, manifestações de massa e novas lideranças, rompeu a barreira da repressão e do controle governamental; conquistou vitórias sindicais, e um papel político que somado aos movimentos populares e remanescentes da Esquerda, vão fundar o PT, a CUT e recuperar o protagonismo como atores sociais e atores políticos autônomos.

O PT foi o principal canal de expressão política deste movimento popular; e Lula foi a principal liderança política que emergiu deste movimento oposicionista, popular, de baixo para cima, com algum recorte classista.

A história do Brasil nos últimos 20 anos, especialmente a partir de 1989, só pode ser entendida como a história da luta entre este pólo trabalhador e popular contra as classes e elites dominantes – sendo o pólo dos explorados e oprimidos liderados por Lula e PT.

A vitória de Lula a Presidência da República em 2002, foi expressão da luta popular ao nível político, que ampliou sua base social (em direção às classes médias e segmentos do empresariado) e representou a esperança de milhões de brasileiros por mudanças econômicas, políticas e sociais.

O primeiro Governo Lula, iniciado em 2003, deve ser analisado dentro deste contexto histórico, do patrimônio político acumulado, mediado pela dura realidade da luta de classe dentro do aparelho do Estado, do Governo e da Sociedade – agora sob iniciativa do pólo conservador das classes e elites dominantes que aceitaram a derrota e posse de Lula, sem dispensar a desconfiança, donde a luta sem trégua, para desmoralizá-lo, cercá-lo e destruí-lo.

Para o PT a vitória eleitoral de 2002 abriu o rito de passagem: de partido em luta pelo governo para partido responsável pelo governo, porque a vitória de Lula também foi a vitória do PT (inclusive sua transformação em maior partido na Câmara dos Deputados).

A reeleição de Lula em 2006, ao meio a uma tremenda luta ideológica e política, coloca ao PT (e demais partidos de esquerda e aliados sociais) o desafio duplo: entender o governo já exercido e o significado da nova vitória eleitoral; qual foi o recado do povo para o PT e aliados; e também para as classes e elites dominantes; quais as possibilidades de avançar no atendimento das expectativas populares e das expectativas da militância petista (e de esquerda em geral).

2. O Primeiro Governo Lula: sucessos e limitações

O primeiro governo Lula foi bem sucedido. Venceu a crise econômica da transição (2002/2003), derrotou a oposição neoliberal no terreno em que eles firmaram conceito positivo: na gestão econômica, conseguindo melhores resultados do que o Governo FHC; elaborou e executou uma política social ampla lhe conferindo um papel estratégico: de redistribuição de renda, ativador do mercado local e promotor da cidadania; redefiniu o papel do Brasil, enquanto potência média, nas negociações comerciais e políticas internacionais; resistiu e venceu a ofensiva política, que a pretexto de erradicar a corrupção, pretendeu derrotá-lo e até mesmo destituí-lo.

O Governo foi bem sucedido na linha definida por Lula, que nem sempre coincidiu com as Resoluções do PT, antes de assumir o Governo: conservadorismo em política econômica; mudancismo em política social. A política macroeconômica (com suas metas de inflação, de superávit primário, câmbio flutuante, etc...) foi gerida com melhores resultados que no governo anterior – com a redução do peso da dívida sobre o PIB; a redução da dívida pública externa; níveis baixos de risco no mercado financeiro internacional; etc... Na política social aliou-se firmeza de propósito com firmeza de gestão: transferência de renda direta e indireta de uma parcela do excedente social coletado pelo Estado para a população de mais baixa renda; políticas públicas universais com efetividade (saúde, educação) e políticas sociais dirigidas (combate a fome, à pobreza, Metas do Milênio, etc.) para atender os excluídos; finalmente a participação social no Governo é institucionalizada (Conferências., Conselhos, Comissões, etc...) sem correspondente mobilizações, manifestações de massa nas ruas; não se discrimina e não incrimina os movimentos e lutas sociais.

A composição do primeiro governo Lula revelou as tendências que se confirmaram nos quatro anos de governo: 1) gestão macroeconômica nas mãos de representantes diretos do capital financeiro ou de petistas que ganharam sua confiança; 2) política industrial e política agrícola comandadas por representantes dos setores empresariais agropecuários e industriais numa tentativa de agregar setores do empresariado que pudessem contrapor à hegemonia do setor financeiro; 3) representação direta e indireta dos setores dos trabalhadores e excluídos em políticas sociais. Essa composição de governo explicita uma tentativa de pactuar com setores das classes e elites dominantes, assegurando os interesses das classes exploradas e oprimidas.

A linha de conduta do primeiro Governo Lula foi tão ou mais importante que a composição de governo: onde houvesse conflito aberto com as classes e elites dominantes a orientação era avançar de forma paulatina e negociada, como na política macroeconômica e a também na política agrária; onde não havia conflito explicitado, como em políticas sociais, avançar aceleradamente.

Tanto a composição como a linha de conduta do Governo Lula determinaram sucessos e limitações: com a política macroeconômica sucessos com indicadores de resultados bem melhores do que o governo anterior; e limitações diante do crescimento do PIB a níveis pouco mais elevados do que os do governo FHC; aguçamento da contradição entre os setores financeiros e ss setores agrícolas e industriais produtivos, e o que é pior, não consolidação de uma aliança com estes últimos setores para um projeto nacional de desenvolvimento; sucesso nas políticas sociais, acima das expectativas em umas, como as políticas de combate à fome e à pobreza e transferência de renda; e limitações em políticas estruturantes como a reforma agrária, fundamentais para cimentar uma aliança com os setores sociais de trabalhadores e excluídos.

4. O PT e o Primeiro Governo Lula

O PT não foi pego de surpresa com a vitória eleitoral de Lula em 2002 (teria sido em 1989), sendo esta a quarta tentativa eleitoral. Tão pouco se pode alegar, no exercício do governo, ingenuidade política diante do jogo duro das oposições, haja vista as experiências anteriores nos governos estaduais e municipais. O que é mais importante: não pode se esconder por detrás do biombo de que temos o Governo, mas não temos o Poder – porque foi longa a nossa preparação para o Governo (que é importante parcela do Poder) e pode parecer que o PT não tinha ou não tem uma estratégia para assunção do Poder e promoção da transformação social (voltaremos a este tema da relação entre Governo e Poder, na parte referente ao Socialismo).

Da Resolução Política do XII Encontro Nacional do PT à Carta ao Povo Brasileiro há evolução crucial nos posicionamentos do PT, da esquerda em direção ao centro. A Resolução do XII ENPT (2001) anuncia um Programa de Governo de ruptura com a herança neoliberal; a Carta aos Brasileiros (agosto/2002) declara a não ruptura dos contratos e o Discurso de Posse confirma a continuidade da política econômica concorrendo com aos programas sociais. Para contrapor a essa evolução difundiu-se no PT e no Governo a tese da transição desta política econômica fiscalista para outra desenvolvimentista, o que não vingou. A equipe dirigente petista que comandou as eleições, comandou a transição e ocupou postos chaves do mesmo não teve força ou convicção para afirmar uma política desenvolvimentista e tão pouco impor uma guinada mais à esquerda no Governo.

O primeiro Governo Lula não correspondeu às expectativas do PT – que eram muito ambiciosas, como convém a um partido de esquerda; contudo apresenta resultados perceptíveis, aos técnicos e ao povo, de avanços importantes tais como: redistribuição de renda, geração de emprego; implementação de políticas sociais vitoriosas; realizações consistentes na área ambiental e de direitos humanos; além de reposicionar o Brasil nas negociações comerciais multilaterais (fortalecendo o Mercosul, contrapondo-se à ALCA; valorizando as negociações na OMC). Houve uma flexão política programática do Governo Lula em relação às propostas do PT que aos poucos vão configurando um pensamento e uma práxis política que identificamos como Lulismo.

5. Do Lulismo ao Petismo: Decifra-me ou Devoro-te!

Existe um fenômeno político social, de massa, no Brasil atual: o lulismo. O que é o lulismo? Como surgiu? Quais são seus fundamentos e sua ideologia? Qual é a importância do lulismo para o Brasil? O Governo do Lula é a expressão do lulismo ou do petismo? Se o lulismo, como entendemos, é parte deste Brasil que estamos construindo como se enquadra no Brasil que queremos? Qual é a relação entre lulismo e petismo. Decifrar o lulismo é decifrar o governo e a herança de Lula.

O lulismo é um sentimento de identificação, de representação e delegação de poder de uma grande parcela da classe trabalhadora e popular com e para a liderança política de Lula. Subjetivamente, isto ocorreu através da identificação com a história de vida e a história de luta de Lula, desde a migração do Nordeste para São Paulo, passando pela luta sindical, as caravanas e as campanhas eleitorais. Do simbólico evoluiu para a materialidade no exercício do Governo Federal pela realização de direitos sociais através de transferência direta de renda, aumento real de salário mínimo e políticas dirigidas para os segmentos sociais mais excluídos da população brasileira – cujos resultados são bem percebidos pelos beneficiários. Estabeleceu ligação direta entre o cidadão e a cidadã (a base familiar) e o projeto de governo e sua personagem principal, Lula. Foam Lula e o lulismo que fizeram a travessia (ampliaram a base social de apoio) da classe média e dos setores organizados dos trabalhadores (onde o petismo tinha e ainda tem base) para os setores não organizados, para o povão; mantendo ainda parte do apoio da classe média e de setores organizados dos trabalhadores.

A importância histórica do lulismo já está dada: quebrou a hegemonia conservadora sobre as parcelas de menor renda do povo; melhorou a condição de vida de milhões de brasileiros; estimulou sua auto-estima e identidade regional, social, étnica, cultural. Com suas políticas públicas de inclusão social o Governo Lula possibilitou a cidadania objetiva dos excluídos; e quem foi às ruas viu (e ainda vê) que os excluídos formaram sua própria opinião contra a opinião dos formadores de opinião. Pela primeira vez se manifestaram autonomamente em relação às elites, embora as elites tenham usado fortemente os meios de comunicação para encabrestá-los. A resposta veio pelas urnas, revelando por outro lado, que o lulismo é de massa, mas não foi até hoje mobilizador de massa. E mesmo pelas urnas houve diferenciação em relação ao PT: onde o partido não tinha grandes bases, apoio ou referência de lideranças Lula foi bem votado; especialmente entre negros, adultos, mais velhos que 25 anos; e com maior proporção no Nordeste, Norte, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Estão dadas as bases de uma nova hegemonia. Seu estabelecimento e continuidade depende da continuidade dessas políticas públicas no segundo mandato do Presidente Lula. E se isto acontecer o lulismo deverá exercer uma influência na história política brasileira semelhante à do getulismo - este também associando o mito da liderança e a garantia de direitos sociais, no caso os trabalhistas. De outro lado consolidou-se um contraponto social, ideológico e político anti-Lula e anti-lulismo (com uma variante anti-PT) entre segmentos das classes médias, com expressão eleitoral e potência nos meios de comunicação – base social para o lacerdismo redivivo, elitista e moralista. Os riscos do lulismo se encaminhar para o populismo estão igualmente dados, se o PT perder de vez sua capacidade de mediar este acúmulo imaginário e esse poder político real.

A diferença entre lulismo e petismo. O petismo se construiu em torno do PT, do mito do partido, da sua militância e influência nos sindicatos e movimentos populares; e também no exercício de mandatos eletivos, em parlamentos e governos. Tem bases organizadas com capacidade de mobilização; e uma referência teórica e ideológica socialista. Tem sustentabilidade política, demonstrada na resistência aos erros e desvios dos dirigentes e aos golpes da direita, tanto internamente (com o PED de 2005) como externamente com o seu sucesso eleitoral em 2006. O PT, antes de Lula chegar à Presidência, firmou o conceito de “modo petista de governar”, forma de democratizar a gestão. Lulismo é “preferência pelos mais pobres”; é transferência direta de renda e não apenas atender demandas populares, redirecionando investimentos via “inversão de prioridades” e “orçamento participativo”. No exercício do governo federal as diferenças se acentuaram: o lulismo mais pragmático, mais executivo; o petismo mais parlamentar e discursivo. O lulismo governando e o petismo disputando o governo. O lulismo no centro e o petismo na periferia do governo! Este distanciamento entre lulismo e petismo tem a ver também com o fracasso político de alguns líderes petistas, que no governo, disputaram hegemonia com os defensores da política econômica dominante. Até certo ponto Lula e lulismo prescindem da mediação do PT porque o imaginário coletivo do lulismo já se autonomizou do PT, o que explica os primeiros movimentos antecipados de disputa da herança lulista. A oposição PSDB-PFL (presa que estava nas suas contradições, a principal delas, a defesa da política econômica do Governo Lula) não conseguiu distinguir lulismo de petismo, e tentou atingir e inviabilizar eleitoralmente o Lula atacando o PT e o petismo. Foi duplamente derrotada.
O petismo deve reconhecer o lulismo como um avanço político e social e deve atuar no governo e na sociedade no sentido de: a) organizar as parcelas do povo sensibilizadas pelo carisma de Lula e pelas políticas públicas do nosso governo; b) compreender que há espaço na transformação da sociedade brasileira para movimentos políticos como o lulismo, cabendo aos demais movimentos como o petismo, que sejam suficientemente competentes para disputar e estabelecer a hegemonia.

6. A Cara do Segundo Governo Lula

Depois de quatro anos de governo, da resistência aos ataques da oposição neoliberal, a vitória de Lula em 2006 (e o sucesso significativo do PT) recolocam a questão: em que, como e quando se pode avançar no segundo governo do Presidente Lula? Como está se desenhando o novo mandato?

A vitória de Lula, em 2002, foi fruto de uma ampla aliança social, em cuja base estavam as classes médias e setores mais organizados dos trabalhadores, envolvendo para cima setores empresariais minoritários e para baixo o voto ainda tímido do povão.O povo votou por mudança, esgotado o efeito eleitoral do Plano Real e diante das insuficiências da política neoliberal e o elitismo do Governo FHC. Em 2006, Lula venceu com uma aliança de classes em cuja base estão os setores de menor renda da população e de menor grau de organização, o chamado povão, seguidos dos trabalhadores organizados, segmentos das classes médias e do empresariado. Com a disputa no segundo turno a frente de apoio se ampliou à direita e o discurso de campanha se dirigiu mais à esquerda. Neste processo eleitoral o lulismo se diferenciou do petismo e o petismo se engajou sem restrição no lulismo.

As linhas mestras do segundo mandato do Presidente Lula estão sendo estabelecidas. Confrontando-se o Programa de Governo (de menor importância na campanha eleitoral de 2006 do que fora em 2002), os discursos do candidato e as primeiras iniciativas do segundo mandato, configuram o primeiro desenho da cara do segundo Governo Lula:
Primeiro: um esforço, sem ruptura, para reduzir a tutela do capital financeiro sobre a política macroeconômica (linha Guido Mantega no Ministério da Fazenda dialogando com o Ministério de Indústria e Comércio);
Segundo: coloca como centro da política do Governo o crescimento econômico e retoma um diálogo mais qualificado com os setores empresariais industriais e com os trabalhadores organizados;
Terceiro: continuidade e aperfeiçoamento das políticas sociais (Bolsa Família, LOAS, etc...) e econômicas voltadas pra os pequenos (PRONAF, crédito facilitado, micro-crédito, economia solidária, etc...);
Quarto: maior efetivação dos planos de desenvolvimento regional (reconstituição da SUDENE, da SUDAM, da SUDECO; planos regionais de desenvolvimento,etc.);
Quinto: inclusão dos direitos sociais e previdenciários como parte da política brasileira de combate à fome e à exclusão social, como conquistas consagradas pela Constituição de 1988; desconstituindo neste aspecto o discurso neoliberal do déficit e da Reforma da Previdência;
Sexto: lançamento do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, reafirmando no discurso e na prática o papel do Estado como indutor e investidor no processo de desenvolvimento econômico – com investimentos estatais; disponibilidade de crédito dirigido para investimentos privados em setores críticos, em contraponto ao discurso neoliberal de FHC do esgotamento do papel do Estado como promotor do desenvolvimento econômico;
Sétimo: sinaliza com medidas de melhoria da gestão governamental.

A política do segundo Governo Lula está sendo montada e o PT, o que, como e quando contribuir?

6. A Questão Central: Inclusão Social e Participação Popular para Democratizar o Governo e o Estado

A conjuntura internacional é favorável a avanços institucionais

O segundo Governo Lula se inicia em uma conjuntura internacional mais favorável que a do início do primeiro mandato, em 2003. Embora ainda sob um mundo unipolar regido pela potência imperial - Estados Unidos - no plano geopolítico multiplicaram-se as manifestações de resistência à sua política unilateral e belicosa. No plano econômico o império não tem força para impor sua vontade e seus interesses; vide as disputa com a Comunidade Européia; os impasses na OMC e a resistência às suas propostas por paises como a China, Índia e Brasil; e neste sentido registre-se a derrota de sua proposta de ALCA, graças à resistência do Brasil e do Mercosul.

A pressão ideológica neoliberal foi reduzida graças à resistência de blocos de países, de paises e de movimento populares locais e planetários; seus ideológicos dão um passo atrás e falam em revisão ou inaplicabilidade do Consenso de Washington. Neste contexto, não se deve ignorar o deslocamento à esquerda ocorrido na América Latina, com eleições de governos populares em Venezuela, Nicarágua, Bolívia, Equador e reeleição de Lula (Brasil) e Kishner (Argentina) e os movimentos populares (Fórum Social Mundial, Via Campesina/MST e outros) que contribuíram para enfraquecer a hegemonia ideológica neoliberal.

Neste sentido, do enfrentamento global com o neoliberalismo o Governo Lula deu a sua contribuição positiva pela postura na OMC via G-20; a colocação na agenda internacional do problema da fome; a valorização das relações Sul-Sul; etc. Por outro lado a estabilidade da economia norte-americana; os elevados índices de crescimento do PIB de China e Índia favoreceram o comércio exterior brasileiro (assim como a ausência de crises financeiras; a crescente demanda por produtos primários agropecuários e minerais; a abertura de novos mercados para produtos semi-elaborados, elaborados e de alta tecnologia...) são condições que devem continuar, facilitando o desempenho econômico do segundo mandato de Lula.

Os limites que a elite dominante tenta impor ao Governo Lula

Internamente as classes e elites dominantes mostraram os dentes em 2005 e 2006. Foram derrotadas não apenas nas eleições presidenciais, também nas suas teses catastrofistas e moralistas, embora tenham conquistado três governos estaduais importantes (Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul). Mais importante: mostraram os limites de sua tolerância para com Lula e a Esquerda. Distinguir esses limites é difícil, porque dependem da luta de classe, da luta política e ideológica e da correlação de forças. A tática deles é a seguinte: se não conseguem impor ao Governo a realização de reformas neoliberais tentam impor ao governo a não realização de reformas populares: reforma agrária; regulação de acesso ao solo urbano; alteração nas condições de rolagem da dívida interna, etc...). Contudo o que mais temem é o que mais desejamos e consideramos deva ser a maior conquista estratégica do governo Lula: democratizar o Estado Brasileiro.

Embora as elites dominantes travem uma luta ideológica contra as políticas públicas sociais includentes (caracterizando-as como assistencialistas; demonizando as organizações sociais,etc.,) é perigoso para elas assumir uma posição contrária, como aconteceu com o candidato presidencial da oposição PSDB/PFL no debate sobre Bolsa Família. A democratização real da sociedade pressupõe assegurar acesso às políticas públicas universais para todos os cidadãos e cidadãs, inclusive e especialmente aqueles que delas estão excluídos; e favorecê-los com políticas amplas, dirigidas aos setores mais excluídos, para lhes dar oportunidades de sair da fome, da pobreza e da exclusão. Neste aspecto o Governo Lula (e o Lulismo) avançou conceitual, política e efetivamente. Deve continuar.

7. A Questão Central de Uma Agenda Para o Brasil: Democratizar o Estado

A agenda política é tão importante quanto as agendas econômica, social, cultural e ambiental, mas pela sua natureza de disputa do poder político, deve preceder às demais.

Se na agenda econômica a questão central é superar o conservadorismo da política macroeconômica para se promover o crescimento econômico (o PAC e o discurso inaugural sinaliza neste sentido); na agenda social o fundamental é continuar e ampliar as políticas universais e as dirigidas para os segmentos populares de baixa renda; na agenda cultural é garantir e facilitar a expressão da diversidade cultural; na agenda ambiental é garantir a inserção da sustentabilidade ambiental na elaboração das políticas públicas especialmente da agenda econômica; na agenda política a questão central é a democratização do Estado.

O tema principal da agenda política é a Reforma Política na perspectiva de democratizar o Estado; os mecanismos de participação e controle social; o processo eleitoral; a vida partidária; os direitos dos cidadãos e cidadãs de intervenção autônoma sobre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Temas estes para os quais o PT deve ter um referencial para definir suas posições: garantir direitos políticos aos trabalhadores e ao povo em geral; assegurar protagonismo independente; e estabelecer equidade de oportunidades e condições para as representações partidárias dos trabalhadores e excluídos.


O Socialismo Petista ou será Democrático e Sustentável, ou não será Socialismo
(Tema 2: O Socialismo Petista)

1. Do que estamos falando: Conceito. Estratégia e Utopia.

Os posicionamentos anteriores do PT sobre o Socialismo Petista embora atuais, demandam a incorporação de duas dimensões modernas e universais: a dimensão ambiental e a dimensão dos direitos humanos. Igualmente importante e urgente, é responder ao questionamento que a vida política nos impôs ao exercitarmos o Governo Federal: qual é a relação do exercício do governo com a estratégia para se construir uma sociedade socialista. Sobre estes temas pretendemos contribuir e propor resoluções.

2. O Socialismo Petista

Estamos entre aqueles que se guiam pela utopia de uma sociedade democrática e socialista que precisa ser construída conceitual e estrategicamente pela luta dos trabalhadores, como dizem os fundadores do PT. Neste sentido não precisamos de açodamento em responder às dúvidas sem correspondência com a luta real dos trabalhadores; contudo devemos ter pressa para atender as demandas das lutas sociais e políticas dos trabalhadores e dos povos. A abordagem anterior deste tema pelo PT é básica e segue atual, embora não responda a todos os questionamentos, pela razão simples e objetiva de que não há acúmulo histórico suficiente para respondê-los, sem cair no teoricismo e no dogmatismo já rejeitados pelo PT.

Recordemos. Primeiro, o socialismo petista procurou se diferenciar do socialismo real e da social democracia:

“O PT rejeita o socialismo real, mas também não vê na social democracia um caminho para a construção do socialismo nem tão pouco um alternativa real aos impasses da sociedade brasileira” (I Congresso do PT, novembro de 1991)

Depois se dissociou, explicitamente, do caminho leninista de transição do capitalismo ao socialismo, ao introduzir o conceito de hegemonia a ser conquistada pela classe trabalhadora tanto na Sociedade Civil como no Estado:

“O V Encontro Nacional já aponta o caminho para extinguir o capitalismo e iniciar a construção da sociedade socialista será necessário uma mudança política radical; os trabalhadores precisam transformar-se em classe hegemônica na sociedade civil e no poder do Estado”.

Neste mesmo texto, o PT nega a visão simplificadora do chamado materialismo histórico que deriva o socialismo das contradições do capitalismo; afirmando o conceito de socialismo enquanto construção histórica dos homens e mulheres consciente de sua necessidade, mas não dissociado da luta de classe:

“O PT não concebe o socialismo como um futuro inevitável a ser produzido necessariamente pelas leis econômicas do capitalismo. Para nós, o socialismo é um projeto humano cuja realização é impensável sem a luta consciente dos explorados e oprimidos”. (O Socialismo Petista. Resolução do II Congresso do PT, Belo Horizonte, 24-28/novembro/1999; reafirmando a Resolução do VII Encontro Nacional do PT, São Paulo-SP; 31/05/90 – 03/06/1990).

3. O Socialismo Petista ou será democrático e sustentável, ou não será socialista

A crise da civilização industrial e o questionamento da utopia socialista

A crítica ao capitalismo pelos clássicos socialistas, especialmente Karl Marx, continua essencialmente correta, mas não responde a todas as inquietudes do ser humano, e não apenas dos operários ou trabalhadores. A perspectiva da sua superação pelo socialismo, genericamente falando, continua aceita pelo PT, nos termos já referidos acima: como realização consciente de homens e mulheres, especialmente dos trabalhadores. A civilização industrial gerada pelo capitalismo, baseada no domínio da natureza pelo homem, na crença de que a ciência e a tecnologia possam constituir novas forças produtivas cada vez mais avançadas – mesmo no socialismo - foi duramente questionada em meados do século XX quando se percebeu a crise ecológica, as limitações impostas a este crescimento de produção e consumo que se supunha ilimitado. As utopias capitalistas, do Estado do bem estar social; e as utopias socialistas, do Estado gestor de todas as atividades produtivas, revelaram sua origem comum na civilização industrial e ruíram quando esta entrou em processo de colapso. A crítica ecológica foi fundamental para este ganho de consciência; obrigando a todos a repensarem suas utopias como o fazemos com a utopia socialista; ou as negarem como fazem os pensadores do neoliberalismo (que na impossibilidade de universalizar o bem estar produzido pelo capitalismo moderno, assumem que apenas uma parte minoritária da humanidade pode ser beneficiada, e justificam essa posição com a ideologia do competitividade, da dualidade entre vencedor e perdedor).

Ao sentimento de classe, real e existente; assim como aos sentimentos étnicos e nacionais persistentes; vão se somando os sentimentos de pertença a uma mesma espécie; e mais que isto de pertença a um conjunto de seres vivos que sobrevivem em um mesmo território limitado, a Terra. Aos poucos vai se forjando a consciência de que a sobrevivência e o bem estar das gerações atuais determinam as possibilidades de sobrevivência e bem estar das gerações futuras, exigindo respeito a certos limites para a ação antrópica sobre os ecossistemas; respeito aos tempos dos ciclos naturais (para recomposição e regeneração - e reprodução das espécies - da situação eventualmente alterada), que nós chamamos de sustentabilidade ecológica.

Esta visão planetária da crise que não é apenas ecológica, mas humanitária, é compatível com a visão global da necessidade do socialismo se nossa concepção de socialismo incorpora a visão da sustentabilidade; se supera o produtivismo, o antropocentrismo, o androcentrismo, o etnocentrismo, o consumismo e a alienação do ser humano diante do humano e do ser humano diante da natureza – estabelecendo um novo paradigma sobre a qual se funda o socialismo democrático e sustentável.

Devemos ser claros: o Socialismo Petista ou será radicalmente democrático e sustentável, ou não será socialismo.

O Socialismo Democrático e Sustentável e o pensamento do PT

O Socialismo Democrático e Sustentável é um aprofundamento conceitual e estratégico do Socialismo Petista. Na medida em que o Socialismo Petista é fundado na democracia; como projeto dependente da vontade livre dos cidadãos e cidadãs, especialmente na luta dos explorados e oprimidos; cuja realização se alicerça em uma nova hegemonia na Sociedade e no Estado, estão dadas as condições para se considerar a sustentabilidade econômica, social, ambiental, cultural, étnica e ética, como conceito fundante. Faz-se necessário, contudo combinar elementos de estratégia global de luta com elementos de luta local – porque assim como há limite para suportar a degradação humana e a ofensa aos direitos humanos, há limite para suportar as agressões ao meio ambiente, ainda que localizados. Agredir uma pessoa humana é agredir a humanidade. Agredir um ecossistema é agredir todo o meio ambiente. O enfrentamento das violações de direitos humanos ou dos direitos ambientais no cotidiano, na luta local, na fábrica, no escritório, nas ruas, nas fazendas, nos clubes e nas residências é parte da estratégia de construção desta nova hegemonia eco-socialista.

O Socialismo Petista deve ser o Socialismo Democrático Sustentável como uma utopia que se realiza no futuro e no presente, incorporada às lutas políticas, sociais, culturais, de gênero, étnicas e éticas; e naturalmente, ambientais.

4. O Programa do Governo e o Programa máximo do Partido

O Programa do Governo responde naturalmente à conjuntura, à correlação de forças, ao nível de organização e consciência dos trabalhadores e à capacidade partidária de expressar os interesses dos trabalhadores, compatibilizados com os interesses gerais do povo. O programa máximo do PT está apenas esboçado em suas Resoluções, indicando a superação do capitalismo pela construção da sociedade socialista, não sendo ingênuo de pensar que a simples conquista do Governo pressupõe a construção da sociedade socialista; mas dá indicações das condições desta transição, para a qual deveria trabalhar o Governo petista:

“É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos. Por isto o PT pretende chegar ao Governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social”. (Manifesto de Lançamento do PT, de 10/fevereiro/1980).